domingo, 29 de agosto de 2010

Você tem fome de quê?


Não há nenhuma outra fome

Nenhuma outra sede

E nenhum outro nome mais maldito

Do que o nome do amor:



Esse mantra cruel que injetaram na nossa cultura

Alegando ser cura pra incompletude natural do homem,



Esse ideal romantizado pelo Romantismo

Que os poetas povoaram de lirismos que peguei na mão;



Essa doença que nos atiraram feito sina bandida,

E que quando não-cumprida vira pesadelo ou canção;



Esse vício embrenhado de falso heroísmo

De falso altruísmo e de falso cinismo

(porque é verdadeiro o desespero que dá);



Esse toque que entra no sangue, que entra na carne

Que vira tortura cravada no ar;



Esse desejo animal e divino de ser o outro,

Ter o outro, comer o outro até acabar;



Esse sonho que foge no escuro, que deixa silêncios,

E que ninguém sabe bem como realizar.



E é por sofrer dessa lepra incurável

Impalpável, indomável e – meu Deus! – insuportável

É que decidi saciar minha fome maldita

Com a concreta fome-de-comida alheia.



E eu, que já quisera amor de uma nota só

Percebi que eu podia amar o mundo inteiro

Com a doação menos poética e romântica do mundo, companheiros:

Dinheiro.

domingo, 1 de agosto de 2010

"Sou uma criança, não entendo nada"

Eu só sei que cresci porque as pessoas não parecem mais eternas e porque meus assuntos limitaram-se desincrivelmente – por que quando eu era criança e adolescente eu poderia falar horas sobre (o) nada com qualquer pessoa?

Eu só sei que eu cresci porque o tempo corre afobado e as tardes não parecem mais longuíssimos repousos discretos.

Eu só sei que cresci porque esqueci como é que faz pra se apaixonar – e antigamente eu tinha que aprender a parar, louca apaixonada que eu era, por tudo e por todos.

Lembra de quando a gente conhecia alguém e numa conversa já queria levar a pessoa pra vida inteira? De quando a gente desviava a rota pra não passar na frente de quem a gente gostava? De quando não ir numa festa parecia punição eterna... Dos dias passados em claro por causa de tristezas nobres, de noites macias que viram pedaços de céu tatuados na memória, de tardes jogadas em almofadas e travesseiros, de saudades que pareciam fatais – pra algumas quase que fiz testamento.

Hoje fico aqui, vivendo do mais ou menos, me alimentando de felicidades diárias que não dão massa nem pros sonhos de uma semana inteira. E o pior: não dói. Vou processar quem me anestesiou da vida, que adulto adora um processo.

Eu costumava gostar dos processos, de ver as coisas sendo: casulo ainda não-borboleta. De tanto ver as coisas crescendo eu também cresci; cresceram os olhos pros fins, deixando de lado os meios - e olha que do fim espero ainda estar longe, e ser muito menos adulto quando ele chegar (espero, porém, que sem fraldas).

Mas o que me tira o sono (adulto cristão = insônia culposa) é que eu só sei que eu cresci porque ainda existe uma criança que me grita todos os dias aqui dentro, que quando lê Vinicius de Moraes chora por causa do seu antigo grande amor, que gosta de pegar chuva só para girar e desobedecer, que adora brincar nos meus olhos e que me lembra sorrindo, arteira e artista, que de nada valerão os meus dias se eu não puder compartilhá-los com outras crianças, escondidas em outros adultos, talvez tão desolados e perdidos quanto eu...