terça-feira, 18 de maio de 2010

Palavra de mulher

Aqui: vem, entra. Aqui que minha mulher poética habita - e é nesse nada bidimensional que eu vou te prender também... pensa que eu não vi? Você foi mas se ficou em epifanias miúdas que engrandecem com o luar, em doçuras solares que me queimam cantarolando inocências. E o que não vi eu sei que ficou também, como sua boca no meu pescoço; temo que nem queira vir busca-la, você que já aprendeu a cantar e comer com os olhos.

Antes de entrar, deixa tua malícia de mulher de lado que eu não gosto de competição. Não me elogie tanto assim, que eu me embaraço de me derreter em estrelas, e viro vassalo ao avesso quando finjo que não piro. Vem, deita e não dorme, que esse teu espírito feminino pode sugar as poesias da minha mulher quando eu fechar os olhos e delirar de você. Vem, meu homem, mas não sorria: estou de luto porque já me apaixonei demais. Venha despido que suas flores machucam meu ego já entorpecido, venha e me tire o vinho da ideia, dizendo coisas amargas como frutos.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Poemando musicalmente em prosa


Tinham se conhecido no dia anterior. Conversaram por horas incansáveis, mas alguns assuntos tinham ficado engasgados, desejosos de serem apalpados, espraiados, devorados. É, a gente sabe: conversa boa nos lembra aquela brincadeira boba que o Tempo faz de sair correndo quando a gente o quer bem parado, tão deslumbrado quanto a gente. O cara ainda não sabia muito bem o que ela lia, mas arriscaria que ela tinha comido o mundo e o cuspia casualmente em metáforas. Ela não perguntou se ele ligava pra futebol e preferiu acreditar que ele não podia ser flamenguista. Eles só conversaram sobre música, musicalmente. A voz dela, melodia inevitavelmente doce, parecia revelar segredos muito antigos, escrachando charme até dizendo as horas. Desdobrando atés, digo até que, um dia, ela disse assim, com os olhos revirados por pura pose: "eu tolero Los Hermanos." E ele, fã incondicional? E ele, fascinado demente? Ele achou ótimo; ele podia suportar viver sem, ele podia ouvir escondido. Além do mais, se ela tolerava, podia tocar no violão "Casa pré-fabricada" ou "Último romance", quem sabe ela não se interessava? Qualquer verbo ficava ótimo na ponta da língua dela, achou uma graça ela tolerar alguma coisa com os olhos tão dançantes. Uma graça.
Feito o convite à música, mesmo antes da alvorada chegaram Cartola, Beatles, Chico, Vinicius, Cazuza, Lenine, Elis, Caetano, Noel, e lá se foi outra noite. Era hora de outros lirismos, mas eles não conseguiam. Até que pronto -----------



Um beijo falou por eles. E se o beijo era assim, tão eloquente, o que poderia ser tão diferente a ponto de afasta-los? Não conseguiam - e nem deveriam tentar, pelo amor de Deus - pensar em nada mais perfeito. Não conseguiram, não tiveram ânimo de ver qualquer filme – tinha história melhor que a deles? – nem peça de teatro, nem exposição de arte. Foram pra cachoeira. Lá se lavaram do mundo, tiraram a roupa e fizeram um poema.
Um lindo poema.

O amor é de desvarios e navios queimados, sim, mas deixa seus diamantes enterrados pra quem quiser ver. E você, que me deu "um céu de diamantes", deve lembrar que continua povoando bobagens líricas e tão vagamente ficcionais como essa. Pra você, amigo, esse poema que virou Cecília, essa Cecília que virou poema e que não pára de se reescrever.