terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Mentiras sinceras (sempre) me interessam

Eu sei que você já beijou garotos

Já dormiu na sarjeta suja
Já foi egoísta, instintivo
Cruel, subversivo
Nocivo à sociedade.
É verdade.
Mas é você querendo
É você podendo se sabotar
E pronto: eu acredito nas suas mentiras –
Nem é preciso disfarçar.
Te quero mesmo humano
Não me poupe amoralidades
E - por favor - não me poupe do clichê.
E assim a gente vai revezando:
Quando eu disser que te amo,
Você diz “eu amo você”.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Partida e sem porto seguro, é mais ou menos assim que a gente se sente no meio da estrada, depois de uns 2 ou 3 amores que caíram do céu feito pingo em poça d’água, e lá ficaram: armadilhas pros meus pés descalços, cheios de calos secos.


Partidas que não se superam, porque eu cansei de ir embora. Cansei de renovações, socos no estômago, dilúvios cerebrais, tempestades emocionais e textos técnicos.

Cansei do equilíbrio, da independência (a minha, a do Brasil, a do mundo), da paz. Cansei de tudo que dá trabalho. Cansei de trabalhar para ansiar pelo descanso.

Vou cancelar a terapia pra tomar banho de cachoeira todos os dias. Quando eu cansar de ser limpa, vou tomar um porre. Vou morar dentro do meu próprio abandono, me aquecer a partir do que me destrói. E torcer pra não ir embora. Mais do que ser corajosa para partir, quero ser humana: quero (saber) ficar.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Mimar você"

Não quero a receita de um soneto

Pra te derreter nos meus versos.
Tampouco te provarei ma-te-ma-ti-ca-men-te
Que há outros, melhores e mais fáceis,
Que dia e noite me oferecem sóis enluarados:
Não há motivos pra querer só você.
Nem teria eu, tão complicada,
Motivos pra buscar palavras compostas,
Olhares cubistas, dupla personalidade
Quando me cabe bem a simplicidade
Do Nada.
Ah, não pretendo enfeitiçar meus quadris
Pra que você desaprenda dos outros...
Nem quero mergulhar no segredo
Dos seus        silêncios              mágicos
Para o que quero, anjo,
Dispenso orquestra, buffet,
Estrelas, roupa de gala.
Para o que quero, louco,
Anuncio nesse poema tão pobre,
Cheio de espaços inúteis:
Aqui estou nua. Crua.
Querendo te ganhar
Te ter
Só pra ser só sua.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

As lentes ébrias do bem e do mal

Dia desses acordei e, durante aquele breve instante em que você vai se dando conta de quem é e onde está, lembrei que era míope e logo me dei conta: não fazia idéia de onde estavam minhas lentes.


O dia anterior explica: eu e minha amiga no bar. Eu e minha amiga muito bêbadas no bar. Eu e minha amiga muito bêbadas na casa dela. Eu sem caixinha de lente. (...) --- e dia seguinte! Minha memória não conseguia ir além disso e eu não conseguia ir além do colchão porque as coisas não passavam de vultos sem nexo algum. Sem lente, sem óculos, sem memória, sem dignidade: essa era a minha situação.

Procurei a lente em todos os potinhos possíveis que eu poderia, alucinada, achar que convinha guarda-las. Eu nunca, nem em outros mil porres, nem nos meus piores dias, tinha esquecido de guardar as lentes – ainda que nos lugares mais improváveis – porque elas eram meu xodó, minha alforria do estereotipo nerd, meu tratado de paz com o espelho; não era possível que o meu eu bêbado me desapontaria tanto assim.

Uma hora, desisti e fui embora arrasada. Passei o dia em casa, de óculos, cabelo pro alto, comendo muito, disposta a me tornar um ogro gordo e solitário até ter dinheiro pra comprar outro par.

Mas no dia seguinte vieram as vozes. E elas não paravam de me mandar buscar o que era meu, e eu fui. Entrei no quarto dela certeira, fui direto no armário e abri o pote que me viera a cabeça: lá estavam elas. Nem eu mesma acreditava.

Naquele dia, senhores, principalmente naquele dia, eu percebi que Deus existia, e que, ao contrário do que muitos pensam, chega a conversar conosco sem intermediários. Mas uma coisa é certa: o paraíso é um marasmo, por isso somos as marionetes de sua divina comédia. E nada me tira da cabeça que quando eu botei aqueles lentes nos olhos de novo e enxerguei o mundo com nitidez, era ele que me olhava no espelho dizendo, mais uma vez: “Te peguei, hein?”

E comecei a ver que era esse o acordo de quem bebe: um dia rindo com o Diabo pra no dia seguinte Deus – e o Diabo – rirem da gente.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Do desejo

Quando ele vem:

Se me deseja, que seja com calma
Porque o desejo, pra não morrer,
Sabe morder a alma
E a alma não sabe esquecer

Quando ele vai:

Se a vida é passageira
Mais ainda é o cortejo
Tanto que não sei
se fui eu que passei
Ou se o que passou
foi o desejo









...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"Quem anda atrás/ de amor e paz/ não anda bem"

Quis te odiar, mas você não deixou. Me prometeu o pote de amor no fim do seu arco-íris psicodélico, cheio de fantasias e feitiços; me fez correr feito louca, tentando alcançar essa chegada. Esse final. Tentando te alcançar.

Quis te amar, mas você não deixou. Sempre escorregadio. Tão certeiro em cada flechada que me acertou cabeça e coração, me conquistando com sua cultura e com seu carinho. Como pode ser normal alguém que não sabe usar vírgulas me trapacear com palavras?

Em vez de amar, se armou. Se eu tento escrever você fala (bem), se eu tento dançar você toca (bem), se eu tento sair você chega (bem). Você é bom e eu sou boazinha demais.

No sertão sentimental que você me jogou, ainda disfarço tentando não me derreter com suas miragens de amor, com a doçura das suas palavras que se desmancham no ar antes de me tocarem os sentidos... e eu, curiosa que sou, me pego pensando: até onde ele vai?

Vá, querido. Saia do conforto do seu reinado e vá se aventurar nos desertos da alma, se perder em novos desafios. Te perdôo por me usar, por me subestimar e por não me querer conhecer em toda a minha infinitude pessoal e intransferível. Quanto a minha deusa, eu já não sei. Ela rodou a baiana avisando que vai querer uma oferenda magrela: você.





(Tem gente que entra na nossa vida pra ser amada. Outras, só pra se transformar em Literatura mesmo.)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

“Pouco amor não é amor.”

Nelson Rodrigues



É preciso estar atento e forte


pra reconhecer que existem mil razões pra se estar com alguém. Do tesão ao tédio, do interesse a insegurança, dos feromônios aos fetiches, do egoísmo ao exibicionismo; motivo não falta pra que uma pessoa faça sentido em determinado momento.


Mas aí entra a doença do amor. Como disse Gullar, “como pode acontecer que, subitamente, num mundo cheio de pessoas, alguém meta na cabeça que só existe fulano ou fulana, que é impossível viver sem essa pessoa?”


Se alguém soubesse como se dá, não duvido que muitos tomariam vacina – mas que doença inesquecível, Gullar! Que bom é, de uma hora pra outra, sentir o toque do que é divino e eterno, etéreo e infinito. Bom é, por 1 dia, um ano (chega a tanto, o tal do amor?) sentir que talvez a vida não tenha mesmo sentido, mas que a falta de sentidos que o amor causa é bom demais.


Seria leviano da parte do meu coração se eu não reconhecesse o porém do amor: doença particular e de tipo pessoal, tô pra ver quem encontre amor correspondido. Cada um ama de um jeito – SE amar! Quantos namoros e casamentos são sustentados pelo amor incondicional de uma das partes, amor quiçá platônico, com a criminosa condescendência do lado privilegiado de carinho? Melhor: quantas vezes pusemos certos alguéns em nossos altares sagrados, fazendo inimagináveis concessões de corpo e de alma – cegos o suficiente pra não percebermos a indiferença de nossos adorados deuses? É: elevar alguém a deus é condenar o nosso próprio amor a viver numa dimensão abaixo do ser adorado.


Vai: a maioria de nós sabe dizer por quem jogaria tudo pro alto, trocaria de nome. E se quando nós desencantamos de alguém não entendemos por que diabos haveríamos de achar aquela pessoa perfeita, o pior é não desencantar e ver que a outra pessoa até nos achava uma boa companhia, mas era apaixonada pelo ex, odiava quando fazíamos sexo – e a gente perdoando cada defeito enorme sem pestanejar! Eu concordo, Gullar: o amor é uma doença como outra qualquer.


Doença irônica: enquanto eu o amava, ele amava sua ex, que já tava com o outro, que olhava pra outra, que já tinha namorado... namorado que eu roubei e que me amava, mas eu ainda amava o outro. O amor é como uma quadrilha qualquer.


Se é crime prosseguir por preguiça uma relação com alguém que nos ama, eu não sei e certamente seria difícil criar uma lei para punir esses casos. Mas deixe-me romancear: crime mais grave ainda é não amar. E isso eu nem sei como é, mas conheço gente que não ama e que diz que o mundo parece meio chato e simples demais...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Era como se o amor doesse em paz

Quis te odiar de cara: agressivo, metido, cínico, ... e lá se vão características más com a doce perversão da virilidade. Você era bom naquilo que eu amava e não dominava, meu bom capoeira; você invadiu o meu ego, o meu território, o meu campo de visão: ou eu te odiava ou me apaixonava por você...
Te odiei sinceramente, até o dia em que você foi inventar de, além de viril, ser interessante e me dar atenção. Minhas barreiras são sensíveis ao hálito do perigo: me desmontei, deixei partes minhas pela sua casa, e mal tive coragem de olhar pra trás e constatar que queria ficar inteira. Mas você chamou “Carolina” e o chamado faz girassol com o olhar, que se volta sem se dar conta. Você gritou “Carolina” e eu olhei em paz, já sem armas, sem tempo pra me importar: já te amava.




domingo, 29 de agosto de 2010

Você tem fome de quê?


Não há nenhuma outra fome

Nenhuma outra sede

E nenhum outro nome mais maldito

Do que o nome do amor:



Esse mantra cruel que injetaram na nossa cultura

Alegando ser cura pra incompletude natural do homem,



Esse ideal romantizado pelo Romantismo

Que os poetas povoaram de lirismos que peguei na mão;



Essa doença que nos atiraram feito sina bandida,

E que quando não-cumprida vira pesadelo ou canção;



Esse vício embrenhado de falso heroísmo

De falso altruísmo e de falso cinismo

(porque é verdadeiro o desespero que dá);



Esse toque que entra no sangue, que entra na carne

Que vira tortura cravada no ar;



Esse desejo animal e divino de ser o outro,

Ter o outro, comer o outro até acabar;



Esse sonho que foge no escuro, que deixa silêncios,

E que ninguém sabe bem como realizar.



E é por sofrer dessa lepra incurável

Impalpável, indomável e – meu Deus! – insuportável

É que decidi saciar minha fome maldita

Com a concreta fome-de-comida alheia.



E eu, que já quisera amor de uma nota só

Percebi que eu podia amar o mundo inteiro

Com a doação menos poética e romântica do mundo, companheiros:

Dinheiro.

domingo, 1 de agosto de 2010

"Sou uma criança, não entendo nada"

Eu só sei que cresci porque as pessoas não parecem mais eternas e porque meus assuntos limitaram-se desincrivelmente – por que quando eu era criança e adolescente eu poderia falar horas sobre (o) nada com qualquer pessoa?

Eu só sei que eu cresci porque o tempo corre afobado e as tardes não parecem mais longuíssimos repousos discretos.

Eu só sei que cresci porque esqueci como é que faz pra se apaixonar – e antigamente eu tinha que aprender a parar, louca apaixonada que eu era, por tudo e por todos.

Lembra de quando a gente conhecia alguém e numa conversa já queria levar a pessoa pra vida inteira? De quando a gente desviava a rota pra não passar na frente de quem a gente gostava? De quando não ir numa festa parecia punição eterna... Dos dias passados em claro por causa de tristezas nobres, de noites macias que viram pedaços de céu tatuados na memória, de tardes jogadas em almofadas e travesseiros, de saudades que pareciam fatais – pra algumas quase que fiz testamento.

Hoje fico aqui, vivendo do mais ou menos, me alimentando de felicidades diárias que não dão massa nem pros sonhos de uma semana inteira. E o pior: não dói. Vou processar quem me anestesiou da vida, que adulto adora um processo.

Eu costumava gostar dos processos, de ver as coisas sendo: casulo ainda não-borboleta. De tanto ver as coisas crescendo eu também cresci; cresceram os olhos pros fins, deixando de lado os meios - e olha que do fim espero ainda estar longe, e ser muito menos adulto quando ele chegar (espero, porém, que sem fraldas).

Mas o que me tira o sono (adulto cristão = insônia culposa) é que eu só sei que eu cresci porque ainda existe uma criança que me grita todos os dias aqui dentro, que quando lê Vinicius de Moraes chora por causa do seu antigo grande amor, que gosta de pegar chuva só para girar e desobedecer, que adora brincar nos meus olhos e que me lembra sorrindo, arteira e artista, que de nada valerão os meus dias se eu não puder compartilhá-los com outras crianças, escondidas em outros adultos, talvez tão desolados e perdidos quanto eu...

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Mundo do sentimento

(ou sentimento do mundo às avessas)

Quando a mente pede um pensamento pleno
Pra me amanhecer solar;
Quando a noite pára na corda-boba do tempo
Me perguntando com o que sonhar;
Quando passa um desejo qualquer-coisa
E eu continuo sentindo a mesma coisa
De antes
De hoje
De sempre
--- sinto muito:
(ainda) sinto (só) você.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Palavra de mulher

Aqui: vem, entra. Aqui que minha mulher poética habita - e é nesse nada bidimensional que eu vou te prender também... pensa que eu não vi? Você foi mas se ficou em epifanias miúdas que engrandecem com o luar, em doçuras solares que me queimam cantarolando inocências. E o que não vi eu sei que ficou também, como sua boca no meu pescoço; temo que nem queira vir busca-la, você que já aprendeu a cantar e comer com os olhos.

Antes de entrar, deixa tua malícia de mulher de lado que eu não gosto de competição. Não me elogie tanto assim, que eu me embaraço de me derreter em estrelas, e viro vassalo ao avesso quando finjo que não piro. Vem, deita e não dorme, que esse teu espírito feminino pode sugar as poesias da minha mulher quando eu fechar os olhos e delirar de você. Vem, meu homem, mas não sorria: estou de luto porque já me apaixonei demais. Venha despido que suas flores machucam meu ego já entorpecido, venha e me tire o vinho da ideia, dizendo coisas amargas como frutos.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Poemando musicalmente em prosa


Tinham se conhecido no dia anterior. Conversaram por horas incansáveis, mas alguns assuntos tinham ficado engasgados, desejosos de serem apalpados, espraiados, devorados. É, a gente sabe: conversa boa nos lembra aquela brincadeira boba que o Tempo faz de sair correndo quando a gente o quer bem parado, tão deslumbrado quanto a gente. O cara ainda não sabia muito bem o que ela lia, mas arriscaria que ela tinha comido o mundo e o cuspia casualmente em metáforas. Ela não perguntou se ele ligava pra futebol e preferiu acreditar que ele não podia ser flamenguista. Eles só conversaram sobre música, musicalmente. A voz dela, melodia inevitavelmente doce, parecia revelar segredos muito antigos, escrachando charme até dizendo as horas. Desdobrando atés, digo até que, um dia, ela disse assim, com os olhos revirados por pura pose: "eu tolero Los Hermanos." E ele, fã incondicional? E ele, fascinado demente? Ele achou ótimo; ele podia suportar viver sem, ele podia ouvir escondido. Além do mais, se ela tolerava, podia tocar no violão "Casa pré-fabricada" ou "Último romance", quem sabe ela não se interessava? Qualquer verbo ficava ótimo na ponta da língua dela, achou uma graça ela tolerar alguma coisa com os olhos tão dançantes. Uma graça.
Feito o convite à música, mesmo antes da alvorada chegaram Cartola, Beatles, Chico, Vinicius, Cazuza, Lenine, Elis, Caetano, Noel, e lá se foi outra noite. Era hora de outros lirismos, mas eles não conseguiam. Até que pronto -----------



Um beijo falou por eles. E se o beijo era assim, tão eloquente, o que poderia ser tão diferente a ponto de afasta-los? Não conseguiam - e nem deveriam tentar, pelo amor de Deus - pensar em nada mais perfeito. Não conseguiram, não tiveram ânimo de ver qualquer filme – tinha história melhor que a deles? – nem peça de teatro, nem exposição de arte. Foram pra cachoeira. Lá se lavaram do mundo, tiraram a roupa e fizeram um poema.
Um lindo poema.

O amor é de desvarios e navios queimados, sim, mas deixa seus diamantes enterrados pra quem quiser ver. E você, que me deu "um céu de diamantes", deve lembrar que continua povoando bobagens líricas e tão vagamente ficcionais como essa. Pra você, amigo, esse poema que virou Cecília, essa Cecília que virou poema e que não pára de se reescrever.

sábado, 24 de abril de 2010

Notas de Dindi
(para Ana, minha eterna Dindi)

“Ah, Dindi
Se soubesses o bem que eu lhe quero
O mundo seria Dindi...”
Dindi – Tom Jobim

Depois de Pasárgada, paraíso inventado de Bandeira que se realizou na imaginação de tantos outros também, me veio Dindi, oásis de Tom, através da Ana, meu porto-seguro amistoso. A primeira vez que a música (me) tocou fez com que eu construísse a imagem de uma Dindi-mulher, em uma serenidade sereia, com toques bucólicos de verde e mar. E o poeta que pedia “Se um dia você for embora, me leva contigo, Dindi...” também dizia que essa Dindi não existia, como não existem a maioria dos seres amados, que nada mais são que projeções nossas. Pois logo me projetei num amor estranho por essa música. Não sei se por Dindi ou se por suas notas não-verbais; era um platonismo dengoso e estranho de amar o que não se pode abraçar com a carne. Dei pra projetar a paixão da leitura na paixão de Dindi e passei a ler sobre a música. Mas não é que meu ideário, tão previsivelmente romântico, se enganara quando construíra Dindi como mulher? Dindi era uma encosta, na qual Tom gostava de ficar e projetar seu amor... E foi através dessa redescoberta que eu amei de uma forma ainda mais divina essa encosta, que existe atrás do quintal de cada um ou num cantinho mágico da nossa poesia interna e eterna; essa encosta que amamos como não amaremos mais ninguém porque só ela pode nos responder com silêncio e com o amor que nós mesmos damos; essa encosta que, já tatuada em mim, um dia tatuarei na pele, pra que eu lembre pra todo o meu sempre que o amor perfeito dói – mas dói em paz.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Every woman is a black magic woman

Depois de tantos anos de luta, as mulheres conseguiram o que elas queriam: o direito de ter libido, sem precisar ser aquele ser que precisa ser conquistado e dar pro cara quase como uma recompensa. O que poucas pessoas vêem é que isso é uma evolução e tanta também pra alguns homens que não se vêem como machos-alfas da espécie e não precisam mais se sentir na obrigação de satisfazer todas as fêmeas necessitadas que vierem requisitar os seus serviços.

É, depois de tantos anos de lutas internas e de me virem falar Pagu, Frida Kahlo, Simone de Beauvoir, Edith Piaf, Leila Diniz, me permito também, como elas, ser mulher e acima de tudo ser humano, com os meus desejos, fraquezas, purezas e perversões. Me permito me ser, aceitando que nem todos verão uma genuína força feminina desabrochando nos meus olhos - sim, toda mulher quer ser deusa e, às vezes, é só "uma garota, na frente de um garoto, pedindo pra que ele a ame". Me permito ser rejeitada sem me odiar tanto.

Mas quer saber de uma coisa? No fundo a mulher ainda não sabe lidar com a rejeição do seu corpo, coisa que os homens encaram muito bem. Portanto, não se assustem... quando uma mulher é rejeitada, Afrodite veste seu vestido vermelho e vem brigar com o Cupido por aqui.
Os indícios mais comuns de sua presença são danças sensuais, bebida, acertos de conta ousados, provocações e charme, muito charme.

Porém, não a culpem. Afrodite nunca foi rejeitada.

Portanto, não me culpem. Qualquer desvario romântico, qualquer olhar perigosamente sensual da minha parte, já saibam: é minha Afrodite rodando a baiana, cheia de brasileirismos e com licença pra sambar.

domingo, 14 de março de 2010

Fingindo que tem manual

"O trânsito contorna a nossa cama
Reclama
Do nosso eterno espreguiçar" (Samba e amor - Chico Buarque)


Se vai assim: primeiro a gente aceita a languidez do "eterno espreguiçar", passando pelo agradável susto de estar vivo; depois tem o banho pra desamassar o corpo, seguido do espelho, pra que a gente vislumbre e guarde nossos traços cada vez mais cheios de história; e, por fim, o café e o pão, pra nos aquecer e confortar pro mundão-de-fora.
Uma vez acordado, há luta. Financeira, intelectual, amorosa, social, transcendental, reflexiva, institucional, e mais outros abismos mil. E quem não quer desafio, que fique no sofá, debaixo da cama, em cima do muro ou na porta de casa... quem não quer desafio, que nem se seja, porque as batalhas começam desde que tomamos consciência: eu
sou.
E na luta, em todas elas, há de se ter alguma coisa aqui dentro que nos seja oásis secreto, razão de vida (ou só do dia - só, até, do momento), algo que transborde como música tocando bem alto pra invadir com poesia todos os nossos cantinhos realistas demais -------- de preferência que seja amor de todos os jeitos e sem arestas pontiagudas demais, porque prevenir tristezas (repentinas ou não) é coisa seriíssima.
O que não se conta muito é que sempre acontece alguma horinha do nosso dia em que a gente cansa de ser. Às vezes por tédio, por cansaço, por solidão, por preguiça, por desilusão, por carência, por saudade, por vontade, por confusão, por falta de caminhos ou por tudo isso junto pesando sobre os ombros (e a gente pensa:
eles sempre foram assim tão fracos?). E aí, quem sabe? Que hajam pequenas surpresas - conversas macias, almoços deliciosos, temperinhos na tarde, caminhadas tranquilas, mar, cachoeira, beijos, abraços, ligações, risadas e tudo isso que se mete na nossa dura rotina como intruso mas, na verdade, salva e motiva essa Deusa das obrigações.
E quando Morfeu vier nos hipnotizar pra nossa breve morte diária e não houver outro jeito senão se entregar, que tudo passe como flashes - sejamos bons editores, também - e que seja bom. Mas se não for, que a gente abandone a ética e manipule os sonhos. Pra que no dia seguinte, nessa nova vida que vem cada vez que os olhos abrem, o espreguiçar tenha um quê sensual de satisfação, e que esse quê fique como um sorriso nos lábios, e o dia recém-nascido nos venha sacudir de novo com mais fome ainda de viver.
E o segredo é que se vai assim: ...


segunda-feira, 8 de março de 2010

ESPERAR É UM SACO


não só por ser chato e tedioso, mas simplesmente porque você poderia estar fazendo outra coisa – e não está. E o pior é que chega uma hora em que se está tão concentrado na espera que já não é mais possível fazer qualquer outra coisa. Desde esperar um ônibus, que tira a leveza de qualquer conversa, à espera mais ingrata de todas: esperar um ser humano, que é alguém tão instável e contraditório quanto você.
No mundo ideal não haveria esperas, porque só faríamos o que estivesse em sintonia conosco e porque “o tempo não pára”. E, com o tempo – e com a tecnologia também – existem mesmo mais formas de esperar sem ter que esperar, vide conversas-de-celular no ônibus, iPods, palm tops, livros fast-food pra devorar em qualquer lugar, textos da faculdade, relatórios do trabalho e outras coisas feitas (também) pras pessoas parecerem mais sérias e menos desocupadas. E, nesse ponto, devo confessar que não me cabe ser revolucionária. É que, às vezes, distrações forçadas evitam pequenos suicídios do dia-a-dia (porres, comédias românticas ruins, compulsões alimentares) e perdas desnecessárias de dignidade (telefonemas, choros, serenatas e declarações de quem está obviamente descontrolado). Às vezes, e só às vezes, esses refúgios baratos podem (ou parecem) ser tudo o que nos resta. Mas sim, existem alguns últimos masoquistas que não sabem atuar pra si mesmos e curtem a espera até o fim (nisso se inclui o tipo de pessoa que escreve textos sobre isso)...
Infelizmente (ou não), há toda essa idéia sobre maturidade, que faz com que não fique bem chorar na fila do banco, se matar na sala de espera do dentista ou se declarar pra alguém que obviamente não está afim de você, estragando qualquer remota possibilidade. E é esse bom senso que vamos adquirindo com o tempo, através do qual evitamos situações desagradáveis e nos passamos por seres minimamente equilibrados.

Tudo besteira.

Quando já ia me sentindo mulher feita de vez, me vem de novo você – que não sabe voar nem fazer mágica, mas que eu acho extraordinário mesmo assim, sabe-se lá porquê – tirar minha máscara respeitável, rir dos meus olhos de menina, me beijar e ir embora, e me lembrar que não importa o quanto se aprenda, tem sempre alguém que, quando vem, nos faz esperar sem nem ao menos ter pedido, e faz com que todas as outras coisas e pessoas do mundo, nem que seja por um instante, pareçam tão banais que não mereçam nosso tempo.

Mas tudo bem; eu espero que passe. Ou só espero...

domingo, 21 de fevereiro de 2010

"Pra te lembrar"

Minha vida, como todas as outras, é feita de um mar irreversível de lembranças. Enquanto algumas pessoas caem pro lado sépio da própria história, ignoro a nostalgia para que eu reveja minhas memórias tais quais filmes favoritos, e dá-se então o milagre: revivo a atmosfera de combinações condicionais que fizeram um momento ser do jeito que foi. Coisa que congelo com cuidado e sem medo, respeitadora das minhas metamorfoses, sem ousar pretender resgatar antigos ares no plano real: o alinhamento dos mundos não se repete, porque as possibilidades são irresistivelmente infinitas. Que fiquem as pessoas, as músicas e os lugares, cada um sendo pleno em sua unidade, contanto que estejamos prontos a saborear todo tipo de mistura, e assim nossos rios correrão tranqüilos.
Pecado mais grave que o da nostalgia é, porém, deixar de visitar – sentimentos-vivos que somos! – alegrias e emoções que bem souberam nos marcar. E por isso escrevo. Por isso deixo rastros pela casa, guardo bilhetinhos de cinema, registro sensações mesmo em carne viva, mergulho no passado cheia de curiosidade de mim. E bastaria uma gota de perfume ou um fio de cabelo pra recuperar nossos filmes-de-vida, nossas histórias em quadrinho, contos de fada e anedotas inacreditáveis, responsáveis por construir dentro de nós uma vibração só nossa e que, se quisermos, podemos doar em abraços. Se assim soubermos fazer, seguiremos deslumbrados e apaixonados pelo que fomos, pelo que somos; pelo intenso mistério do desconhecido, impalpável e – se Deus quiser – eterno.

(Cecília também brinca de colorir verdades, escrevo porque a vida não é o bastante, perdoem se surgirem flores demais)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Aviso aos navegantes

Eu abri a porta, dançando
Seu sorriso rodopiando no ar
(Que, por sinal, era perfumado)
: eu tive vontade de calar
É que, Cecília, se não me escutas
é porque "na tua presença
palavras são brutas"
E é que seus drinks coloridos
Não param de me tomar

(...)

E ainda que fosse noite
Que fosse sábado
Ainda que fosse errado
Ainda que não fosse nada
Tinha gosto de primavera
Trapaceando o calor do verão
E me tocou à flor da terra
Com o feitiço do violão
(Poesia rima com samba?)

E agora, num outro sábado
Já me enriquece outro instante
Porque você já me emudeceu de novo
Já fez a sua parte dançante
Já tem a sua parte em mim
-------e agora parte, distante.
Me partindo sem contar
Se o sorriso era só seu
Ou se tinha nele alguma coisinha
Alguma rima um tanto minha
Que eu possa guardar de você.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Anti-guerra

Eu armada com sorriso de mais um café
E você já moldando abraço de ir embora.
Mas – ufa – era só por causa da hora.
Então eu pedi uma ligação e te abracei
Sã – sem charme de solidão.
Você saiu, eu pedi, eu sorri
Mas você não ligou.
E ainda que esse filete amargo
Ameace estrago nesse meu licor
Sinto que é azul a sua ausência
Sinto que é azul esse amor
Que aprendeu a voar
E ainda assim
Ficou.

Porque todo mundo sabe que é gostoso viver o momento, mas que é muito melhor quando ele é inesquecível o suficiente pra ficar. =)

domingo, 10 de janeiro de 2010

“ sabe que o meu gostar de você chegou a ser amor, pois eu me comovia vendo você (…) meu deus, como você me doía de vez em quando. eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno, bem no meio duma praça. então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta, mas tanta coisa que eu vou ficar calado um tempo enorme só olhando você, sem dizer nada, só olhando e pensando: meu deus, mas como você me dói de vez em quando."


caio fernando abreu


[Quando um poeta quer dizer, ele cria.
Quando ele dá de sentir, precisa de outro poeta
Pra soprar poesia por ele.

de Moraes, de Barros, de Andrade
Abreu, Bandeira, Meireles
Quintana, Leminski, Buarque
Obrigada pelo chá lírico e quente
Se não é pedir muito,
Recolham os cacos, as lágrimas
E usem - não faz falta
A favor de vocês.
Quero uma flor, um mês
Um pintor e o português
Para que esse amor, como o poeta dizia,
Em vez de virar raiva
Vire poesia. (acho que virou)]

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Abafado cristalino

Tenho paixão sem jeito pelo calor. Só a própria palavra já precisa ser abanada, tamanha a vibração que causa nas pessoas – e, vibrando nele, a gente transborda. O que me alivia é o suor metafísico levando os pensamentos contraídos e exageradamente atentos; se desfaz em mim tudo que é denso demais.
Escrevo em expansão, sabendo que o calor dispensa qualquer descrição porque é matéria poética palpável; inspiração úmida, livre de qualquer amarra verbal. Até o abraço, carinho nobremente elevado na escala da satisfação, flui mais seguro e firme, sem muita frescura. E se teoricamente desfavorecido pela temperatura desconfortável, dança em gargalhadas nas entrelinhas. Os corpos veraneiam entre si e tudo que sorri fica 10 anos mais jovem – as crianças, em sua sábia simplicidade, ficam atemporais.
Mergulho, sem medo, na tentação ensolarada de falar na paixão pelo calor; no calor da paixão. Mergulho intenso no ébrio, no veranoso, nas ondas. Mergulho no que exige um retorno pra que eu não me afogue nem me queime. Me molho nos 10 segundos culpados pelo tesão, me seco nos 40 graus cariocas e o mais lindo é o momento que fica suspenso no ar, sem preocupações, acima das camadas pesadas do inverno. Só tem medo quem não sabe nadar.
É por isso que eu, corajosa, me atiro na energia quente que o céu azul dá, certa de que se põe com o Sol minha alegria para pairar sobre mim à noite, já enluarada e cheia de feitiços suaves. Mato minha sede no calor, esgotando minhas forças até que elas se multipliquem coloridas ao meu redor. E quando é o calor que morre, me purifico e evaporo até chegar a você, nuvem tímida que sou; e ainda que saibamos arder irremediavelmente bem, vemos se reduzir a pó a luxúria, o fogo, o efêmero.
Porém é aí que surpreendemos a todos florindo juntos, chovendo juntos. Cansada a paixão, nos entregamos à infinita maré do amor, que não tem estação, nome nem sexo; se satisfaz assim, no prazer contínuo da liberdade, e desse jeito seguimos: amantes tranqüilos, eternos, equatorizados.
Tenho paixão sem jeito pelo amor.


Pela boa energia dos verões apaixonados... (e outonos, invernos, primaveras...)