sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Abafado cristalino

Tenho paixão sem jeito pelo calor. Só a própria palavra já precisa ser abanada, tamanha a vibração que causa nas pessoas – e, vibrando nele, a gente transborda. O que me alivia é o suor metafísico levando os pensamentos contraídos e exageradamente atentos; se desfaz em mim tudo que é denso demais.
Escrevo em expansão, sabendo que o calor dispensa qualquer descrição porque é matéria poética palpável; inspiração úmida, livre de qualquer amarra verbal. Até o abraço, carinho nobremente elevado na escala da satisfação, flui mais seguro e firme, sem muita frescura. E se teoricamente desfavorecido pela temperatura desconfortável, dança em gargalhadas nas entrelinhas. Os corpos veraneiam entre si e tudo que sorri fica 10 anos mais jovem – as crianças, em sua sábia simplicidade, ficam atemporais.
Mergulho, sem medo, na tentação ensolarada de falar na paixão pelo calor; no calor da paixão. Mergulho intenso no ébrio, no veranoso, nas ondas. Mergulho no que exige um retorno pra que eu não me afogue nem me queime. Me molho nos 10 segundos culpados pelo tesão, me seco nos 40 graus cariocas e o mais lindo é o momento que fica suspenso no ar, sem preocupações, acima das camadas pesadas do inverno. Só tem medo quem não sabe nadar.
É por isso que eu, corajosa, me atiro na energia quente que o céu azul dá, certa de que se põe com o Sol minha alegria para pairar sobre mim à noite, já enluarada e cheia de feitiços suaves. Mato minha sede no calor, esgotando minhas forças até que elas se multipliquem coloridas ao meu redor. E quando é o calor que morre, me purifico e evaporo até chegar a você, nuvem tímida que sou; e ainda que saibamos arder irremediavelmente bem, vemos se reduzir a pó a luxúria, o fogo, o efêmero.
Porém é aí que surpreendemos a todos florindo juntos, chovendo juntos. Cansada a paixão, nos entregamos à infinita maré do amor, que não tem estação, nome nem sexo; se satisfaz assim, no prazer contínuo da liberdade, e desse jeito seguimos: amantes tranqüilos, eternos, equatorizados.
Tenho paixão sem jeito pelo amor.


Pela boa energia dos verões apaixonados... (e outonos, invernos, primaveras...)

Um comentário:

  1. Diurno

    No couro de pétalas de um bebê
    a estrela da vida tintura urucum.

    O dia
    é uma lenta explosão de azul que inibe o medo dos becos]
    e em todo lugar
    estabelece o encontro.

    Melado ou fresco,
    faz do mundo imenso parque,
    praça de tudo.

    A pele nigérrima exulta brilhosa,
    jóia polida.

    E as mulheres cheiram mais forte,
    abrindo caminhos na piscina de luz.

    O salto dessa noite,
    mais alto que nossas montanhas,
    exibirá grinaldas de água e trovão.

    São flores
    que o Sol cultivou e colheu pra te dar.

    T.F.

    PS: É um poema antigo meu, achei que dialoga com seu texto - que é uma cachaça envelhecida e doce a essa hora da noite. Não pare com essas coisas lindas. Você tem vocação pra alegria. =)

    ResponderExcluir