domingo, 14 de março de 2010

Fingindo que tem manual

"O trânsito contorna a nossa cama
Reclama
Do nosso eterno espreguiçar" (Samba e amor - Chico Buarque)


Se vai assim: primeiro a gente aceita a languidez do "eterno espreguiçar", passando pelo agradável susto de estar vivo; depois tem o banho pra desamassar o corpo, seguido do espelho, pra que a gente vislumbre e guarde nossos traços cada vez mais cheios de história; e, por fim, o café e o pão, pra nos aquecer e confortar pro mundão-de-fora.
Uma vez acordado, há luta. Financeira, intelectual, amorosa, social, transcendental, reflexiva, institucional, e mais outros abismos mil. E quem não quer desafio, que fique no sofá, debaixo da cama, em cima do muro ou na porta de casa... quem não quer desafio, que nem se seja, porque as batalhas começam desde que tomamos consciência: eu
sou.
E na luta, em todas elas, há de se ter alguma coisa aqui dentro que nos seja oásis secreto, razão de vida (ou só do dia - só, até, do momento), algo que transborde como música tocando bem alto pra invadir com poesia todos os nossos cantinhos realistas demais -------- de preferência que seja amor de todos os jeitos e sem arestas pontiagudas demais, porque prevenir tristezas (repentinas ou não) é coisa seriíssima.
O que não se conta muito é que sempre acontece alguma horinha do nosso dia em que a gente cansa de ser. Às vezes por tédio, por cansaço, por solidão, por preguiça, por desilusão, por carência, por saudade, por vontade, por confusão, por falta de caminhos ou por tudo isso junto pesando sobre os ombros (e a gente pensa:
eles sempre foram assim tão fracos?). E aí, quem sabe? Que hajam pequenas surpresas - conversas macias, almoços deliciosos, temperinhos na tarde, caminhadas tranquilas, mar, cachoeira, beijos, abraços, ligações, risadas e tudo isso que se mete na nossa dura rotina como intruso mas, na verdade, salva e motiva essa Deusa das obrigações.
E quando Morfeu vier nos hipnotizar pra nossa breve morte diária e não houver outro jeito senão se entregar, que tudo passe como flashes - sejamos bons editores, também - e que seja bom. Mas se não for, que a gente abandone a ética e manipule os sonhos. Pra que no dia seguinte, nessa nova vida que vem cada vez que os olhos abrem, o espreguiçar tenha um quê sensual de satisfação, e que esse quê fique como um sorriso nos lábios, e o dia recém-nascido nos venha sacudir de novo com mais fome ainda de viver.
E o segredo é que se vai assim: ...


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