quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Lança-perfume

Já fui mulher de desfilar na rua. Hoje desfila em mim essa avenida amontoada de gente embriagada por um carnaval que ainda nem aconteceu.


Decadente. Vazia. Suja. Escura. Bobamente feliz. As crianças com suas espumas, que perturbam a minha visão (que já não quer se esforçar muito), as gargalhadas hipnóticas, os copos de cerveja que ameaçam minha blusa branca a todo momento, as cantadas molhadas, os confetes baratos ---- e eu. Eu e minha droga louca, que não há entorpecente maior que estar apaixonado no meio de uma avenida lotada, me movendo em um carnaval antecipado do qual a minha carne se esquiva, se torcendo toda pra não chorar.

Eu me embolo em mim. Parece que vou cair. Queria estar louca de conhaque, mas estou louca de amor – não sei como nem porquê. Num rápido flash onde a memória se confunde com o presente, a 28 de setembro é a Dias da Cruz dos meus carnavais de infância, das minhas alegrias doces e pueris. Passo a gostar dela. Meu desfile interno sai pra passear, e vejo minhas emoções pedindo licença, girando mais do que poderia o meu corpo fatigado de desejo não-correspondido. Um perfume me toma inevitavelmente – parece ar, mas é amor – e eu quase o pego com as mãos. Antes que eu o abrace, ele me abraça. E num delírio último, eu me desfaço no meio das ruas de Vila Isabel, tomada por uma Dias da Cruz imaginária, por uma vontade incontrolável, e por um lança-perfume inusitado que só pode ser você, meu amor.

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